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O saltador em Altura II

Os meus casos no salto em altura, do Alfredo Lima no salto em comprimento e no triplo, certas chegadas, marcas e tempos que não condiziam com aquilo que se via , media-se e cronometrava-se , fez com que as minhas desconfianças de que o atletismo não era transparente mais se acentuassem. Um caso, mais tarde, veio confirmar plenamente e sem possibilidades de contestação, essas suspeitas.

A Volta à Cidade

Todos os anos era disputada a Volta à Cidade que era uma estafeta de fundo constituída por equipas (sim, "equipas") de 6 atletas. Na Volta à Cidade, o 1º atleta partia na Av. da República, hoje Av. 25 de Setembro, em frente do Restaurante Macau, até ao Pavilhão da Praia da Polana, o 2º subia o Caracol até ao Hotel Polana, o 3º pela Av. Consilieri Pedroso (Av. Julius Nyerere) e Av. Pinheiro Chagas (Av. Eduardo Mondlane) até aos Velhos Colonos , o 4º pela mesma Avenida até ao Fabião do Alto Maé, o 5º pela Av. do Trabalho até à Missão de S. José e o 6º pela Estrada das Estância até à Av. da Republica e terminava no local da partida. Esta prova era disputada por equipas. Cada atleta corria cerca de 2000 metros. Durante muitos anos o Sporting dominava o fundo e o meio fundo com toda a clareza e a ADALM sabendo que nem o Desportivo nem o Ferroviário não iriam participar por não terem atletas com capacidade de ganhar ao Sporting, impôs uma cláusula. A prova só teria lugar se concorressem duas "equipas". Ora os "clubes" podem ter mais que uma equipa e inscrevê-las. Ora que culpa tinha o Sporting que o Desportivo e o Ferroviário não tivessem equipas à altura de disputar a prova e preferissem que durante os anos que o Sporting dominava que a prova ficasse suspensa? Talvez para um dia escreverem na sua "história" do atletismo que durante alguns anos a prova não se realizou por motivos alheios à falta de qualidade de atletas capazes de arrebatar o titulo ao Sporting.

Episódios destes também são história e se quiserem fazer uma verdadeira não tenham o desplante de desmentir isto. O Sporting apareceu com 2 equipas. A principal e o Sporting B. Após longa e mais que acesa discussão ("equipas" vs "clubes") lá se deu o tiro de partida, mas com outra condição: os troféus (taça e medalhas) só seriam atribuídos se as duas equipas terminassem a prova. A ADALM só aceitou fazê-la porque estava completamente convencida de que a "B" não terminaria sequer a prova, já que nela iriam participar um saltador de altura (eu) e um varista (o Florival Silva). Tive de correr do Fabião do Alto Maé à Missão de S. José e o Florival (ao fim de 19 anos encontramo-nos em Maputo e fartamo-nos de rir) dali até ao Restaurante Macau situado na Av. da Republica. Chegamos ao fim, custou, mas foi gratificante ver a cara dos dirigentes que nem sequer tinham os troféus para entregar. Para eles a "B" supostamente iria desistir. Quando o Carlos Cruz e Silva me entregasse o testemunho, estimava-se que apenas correria até à Esquadra da Policia do Alto Maé e desistiria. Eu e o Florival prometemos que chegaríamos ao fim. Fizemos das tripas coração mas cortamos a meta. Foi mais uma vez notória a má vontade da Associação em atribuir a vitória ao Sporting. Correram pela equipa "A", se não me engano, o Adriano José, o Ernesto Augusto, o Bilro, o Arnaldo Cruz e Silva, o Ernesto César, o Mário ou Bilro II. O Sporting tinha um excelente grupo de fundistas e por isso venceu várias Volta à Cidade, as Léguas do Natal e da 24 de Julho. Depois foram aparecendo outros como Amândio de Sá, Adelino Leite, Amândio Piçarra, Mário António, Almeida, Lino Metelo, «cara suja», Fausto Archer, Oscar, José Nhiuana («o homem mais resistente de África»), Alberto Chamango, Mungoi, Azize, Molima, Moiane, Monjane, etc. A Légua do Natal partia do Oásis e terminava na Av. da República, em frente ao Restaurante Macau. A Légua da Av. 24 de Julho começava no seu inicio e terminava, praticamente, em frente ao Piri-Piri.

Além do salto em altura Além do Salto em Altura joguei futebol (juniores e reservas) e basquetebol (2ªs. categorias) no Sporting, mas quando verifiquei que não tinha lugar representei o Malhangalene e o 1º. de Maio, respetivamente. Voltei ao Sporting a pedido do meu treinador Pegado, mas apenas joguei uma vez nas honras e por uns minutos.

Cartão de praticante de basquetebol

As provas de atletismo e do futebol tinham inicio às 13h00 , por vezes sob o sol tórrido. No futebol aconteceu um caso que na altura foi considerado um crime. No dia mais quente que até ali tinha sido registado, mais de 40 graus à sombra, realizou-se um Malhangalene- Indo-Português. Na primeira parte ainda se correu (?) , mas na segunda só eu e um jogador do Indo, o Guiló, conseguimos... andar atrás da bola. Encontrei-o anos mais tarde em Setúbal, recordamos aquele jogo que terminou em 6-4 (?). Segundo parece eu meti os golos do Malhangalene e ele os do Indo. Também não conseguimos lembrar por onde andaram o àrbitro e os fiscais de linha. Quando saímos à rua via-se um mar autêntico de pássaros caídos no chão. Ainda conseguimos fazer com que alguns sobrevivessem. Foi de facto um crime. Jurei a mim próprio que não voltaria a jogar naquelas condições. Mas as provas do salto em altura, 110 metros-barreiras., vara e 400 metros-barreiras também começavam à mesma hora. Não era nada agradável ver o chão a fumegar, ter de fazer os 110 m.b. e ir de imediato , todo transpirado para o salto em altura e ter que a iniciar a prova com duas e ou três marcas acima da fasquia inicial. Aquele jogo levou-me a fazer uma campanha no jornal para que tanto futebol como o atletismo tivessem ínicio mais tarde. Depois de muito insistir, batalhar, e de ter o apoio do Dr. Couto Junior e da colaboração de outros colegas lá se conseguiu.

Cartão de futebol

Como praticante de atletismo além do salto em altura, fiz comprimento, triplo, 100 m, 200 m ,110 m.b. 4x100 m e martelo (por brincadeira). Fiz a tal Volta à Cidade . No salto em altura, a minha disciplina favorita, fui campeão em juniores e séniores. Cheguei a ser recordista em juniores. Em séniores não apenas devido à ignorância dos dirigentes da ADALM que não «souberam» converter as jardas e polegadas em metros e centímetros. Era para acreditar? A má vontade já se vinha acentuando. Nas pistas de LM cheguei aos 1,825m. Em Bracpan um pouco mais 1,830 m. ainda como junior e em Durban, a minha melhor marca, um pouco acima dos 1,850m. No comprimento 6,...m.,no triplo 13,...m., nos 100m 11...s., nos 200m 23...s., nos110m.b. 16...s. (infelizmente não posso dar marcas com maior precisão porque a memória vai-me falhando). No martelo 35,...m. e cheguei a ser campeão (também é verdade que os melhores praticantes não compareceram), mas fui desclassificado porque "escrevia sobre desporto para um jornal e era treinador". Mas não havia nenhuma lei a limitar os treinadores e os jornalistas serem atletas. E muito menos ganhar as competições. Apenas mais uma regra da treta inventada no momento que muitos acham que não deve figurar na história por não ter ficar "escrito" e "assinado". Obviamente que as trafulhices do sistema não são escritas nem assinadas muito menos nos tempos em que reinava hipócritamente a regra dos chamados "bons costumes" : aquela conseguida apenas com lápiz azul nos jornais e fora destes.

Quem tem a oportunidade de ler estas memórias pode achar que existe algo subversivo na forma como exponho os episódios que se passaram comigo como atleta e treinador. Na realidade não muito diferente quando era praticante e treinador. Acho justa a crítica. Foi com subversão e luta contra interesses instalados, contra mentiras do regime, que Moçambique tornou-se uma nação. Tenho o orgulho de ter contribuído no atletismo como 1º Selecionador do Moçambique acabado de nascer.

Quando uma equipa , ou um atleta é prejudicado, alguém sai beneficiado com isso. Apesar de saber com a experiência de vários anos que a tendência do batoteiro é desmentir quem lhe aponta o dedo, sempre gostaria de saber, agora que já passaram vários anos e os clubes em questão já foram extintos, como se sentiam como praticantes de desporto saberem terem ganho por decisões de juízes nada escrupulosos, como podiam festejar vitórias a rirem-se dos atletas consternados que viam o roubo da sua marca, do seu recorde , da sua medalha a olhos vistos ? Como se sentem após estes anos que muitos desses esquemas ganhadores eram coniventes com um dos aspectos piores do regime (e por isso levava com o seu lápis azul) em que os casos com a atleta Lucrécia Cumba foram dos mais gritantes?

Certamente é algo que os "bons costumes" gostam de censurar. Mas eu não me auto-censuro.

Até à próxima memória.

Para esta equipa entrou o guarda redes Costa Pereira que foi internacional de Portugal e o Juca  passou para médio

"Para esta equipa entrou o guarda redes Costa Pereira que foi internacional de Portugal e o Juca passou para a posição de médio."

Fim da Memória «O saltador em altura»


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